Que o amigo seja para vós a festa da terra

30 junho 2007

Para os teus passos
























Atlântico 2004

(...)
Que Shamash te dê o desejo do teu coração, que ele te faça ver com os teus próprios olhos o feito realizado de que os teus lábios falaram; que ele te abra o caminho, que estiver bloqueado, e uma estrada para os teus passos. Que abra as montanhas para as atravessares e que o tempo nocturno te traga as bençãos da noite; que Lugulbanda, o deus que te guarda, fique de pé a teu lado, para tua vitória. Que obtenhas a vitória na batalha, como se lutasses como uma criança. (...)

Gilgamesh, versão de Pedro Tamen do Inglês de N.K.Sandar, Lisboa, Vega, 2000.

O problema maior
























Lisboa 2007

(...) Talvez seja a razão o problema maior, porque os processos de racionalização podem operar em segmentos, ou regiões, com todas as linhas consideradas. (...)

O que é um dispositivo?
Gilles Deleuze, O Mistério de Ariana, Lisboa, Vega, 1996.

O que jaz além?



















Adraga 2004


(…)

Und herrlich ists, aus, heiligem Schlafe dann
Erstehen und aus Waldes Kühle
Erwachend, Abends nun
Dem milderen Licht entgegenzugehn,
Wenn, der die Berge gebaut
Und den Pfad der Ströme gezeichnet,
Nachdem er länchelnd auch
Der Menschen geschäftiges Leben
Das othemarme, wie Segel
Mit seinen Lüften gelenkt hat,
Auch ruht und zu der Schülerin jetzt,
Der Bildner, Gutes mehr
Denn Böses findend,
Zur heutigen Erde der Tag sich neiget. —

(…)

(…)

E é magnífico, depois de sagrado sono assim
Erguer-se e, despertando com a frescura
Da floresta, ir, ao entardecer,
Ao encontro da mais suave luz,
Quando aquele que construiu os montes
E traçou o caminho dos grandes rios,
Depois de, sorrindo, ter também
Enchido com suas brisas, como as velas,
A vida ocupada e de curto fôlego
Dos homens, dando-lhe direcção,
Também descansa e se inclina agora
O escultor para a sua discípula,
A Terra de hoje, onde o dia acaba,
Nela vendo mais o bem do que o mal. —

(…)

O Reno
Hölderlin, Hinos Tardios, trad. Maria Teresa Dias Furtado, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000.

29 junho 2007

Acontecimentos do espírito
























Estudo depois do Retrato do
Papa Inocêncio X de Velasquez
Francis bacon, 1953.
Óleo sobre tela, 153 x 118,1 cm.
Des Moins Art Center, Iowa.


(...) É enquanto espírito incarnado, enquanto ligado a um corpo, que o espírito obtém a personalidade: separado do corpo, na morte, o espírito volta a encontrar o seu equívoco e múltiplo poder. E é ao ser reconduzido ao seu corpo que o espírito obtém a imortalidade; a ressurreição dos corpos é condição de sobrevivência do espírito: liberto do seu corpo, ao recusar o cor-po, ao revogar o seu corpo, o espírito deixaria de existir, mas «subsistiria» com o seu inquietante poder. A morte e a duplicidade, a morte e a multiplicidade, são assim as verdadeiras determinações espirituais, os verdadeiros acontecimentos do espírito. Compreendemos que Deus é o inimigo dos espíritos, que a ordem de Deus vai contra a ordem dos espíritos: para instaurar a imortalidade e a personalidade, para a impor à força aos espíritos, Deus deve apostar nos corpos. Ele vai submeter os espíritos à função privativa da pessoa, à função privativa da ressurreição. (...)

Kolossowski ou o corpo-linguagem
Gilles Deleuze, O Mistério de Ariana, Lisboa, Vega, 1996.

28 junho 2007

O vento no escuro

















Serra da Estrela 1996

Não durmo. Entresou.
Tenho vestígios na consciência. Pesa em mim o sono sem que a inconsciência pese... Não sou. O vento... Acordo e redurmo e ainda não durmi. Há uma paisagem de som alto e torvo para além de que me desconheço. Gozo, recatado a possibilidade de dormir. Com efeito durmo, mas não sei se durmo. Há sempre no que julgamos que é o som um som de fim de tudo, o vento no escuro, e, se escuto ainda, o som dos pulmões e o do coração.

Bernardo Soares, Livro do Desassossego vol.I, Lisboa, Presença, 1990.

27 junho 2007

A expressão que lhe pertence



















Alcochete 2006








Heraclito

I confini dell'anima, nel tuo andare, non potrai scoprirli,
neppure se percorrerai tutte le strade:
così profonda à l'espressione che le appartiene.

Giorgio Colli, La Sapienza Greca, Eraclito, Milano, gli Adelphi, 1996.


A fronteira da alma, no teu andar, não poderás descobrí-la,
nem se percorreres todos os caminhos:
assim profunda é a expressão que lhe pertence.

23 junho 2007

Também o que é alto



















Lagoa d'Albufeira 2005


(…)

Wenn aber ist entzündet
Der geschäftige Tag
Und an der Kette, die
Den Blitz ableitet,
Von der Stunde des Aufgangs
Himmlischer Tau glänzt,
Muss unter Streblichen auch
Das Hohe sich fühlen.
Drum bauen sie Häuser
Und die Werkstatt gehet
Und über Strömen das Schiff.
Und es bieten tauschend die Menschen
Die Händ einander, sinning ist es
Auf Erden und es sind nicht umsonst
Die Augen an den Boden geheftet.

(…)

(…)

Mas quando se acende
O dia laborioso,
E na cadeia,
Que desvia o raio,
Desde a hora do nascer-do-sol
Brilha o orvalho celeste,
Deve entre os mortais sentir-se
Também o que é alto.
Por isso eles constroem casas,
E a oficina trabalha,
E o navio cruza os rios,
E os homens se oferecem
Em permuta as mãos; faz sentido
Estar na terra e não é em vão
Que os olhos se cravam no solo.

(…)

Os Titãs
Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela, Lisboa, Relógio D'Água, 1991.

19 junho 2007

Seguindo uma linha de fuga

















Marrocos 2002


(...) os nómadas, em sentido estrito, em sentido geográfico, não são migrantes nem viajantes mas, pelo contrário, aqueles que não se mexem, aqueles que se ligam à estepe, imóveis de grande passo, seguindo uma linha de fuga no mesmo sítio (...)

Giles Deleuze e Claire Parnet, Diálogos, trad. José Gabriel Cunha, Lisboa, Relógio D'Água, 2004.

15 junho 2007

Para glissandos


Perpetuum Mobile de György Kurtág pelo próprio

14 junho 2007

Quanto são estes nós





















Untangling
Jeff Wall, 1994.
Transparência em caixa de luz, 189 x 223 cm.
Richard and Pamela Kramlich, São Francisco.


Por que motivo é a filosofia tão complicada? Não deveria ser, pois, totalmente simples? A filosofia desata no nosso pensamento os nós que de uma forma sem sentido fizemos nele; mas para isto tem de fazer movimentos tão complicados quanto são estes nós. Logo, embora o resultado da filosofia seja simples, o seu método para lá chegar não pode ser simples. (...)

Wittgenstein,
Manuscrito 106, 1929. Tradução de Nuno Venturinha.

11 junho 2007

Somos desertos

















Marrocos 2002

(...) Somos desertos, mas povoados de tribos, de faunas e de floras. Passamos o tempo a ordenar essas tribos, a dispô-las de outro modo, a eliminar algumas delas, a fazer prosperar outras. E todas essas tribos, todas essas multidões, não impedem o deserto, que é a nossa própria ascese. Pelo contrário habitam-no, passam por ele, sobre ele. (...) O deserto, a experimentação sobre si próprio, é a nossa única identidade, a nossa oportunidade para todas as combinações que nos habitam. (...)


Gilles Deleuze & Claire Parnet, Diálogos, trad. José Gabriel Cunha, Lisboa, Relógio D'Água, 2004.

O sentido



















Qual é o sentido da vida?

09 junho 2007

Imagem pairante








Kate Turning Around
Eadweard Muybrige, 1884. Na série da
publicação Locomoção Animal, 1887.
Colódio húmido em emulsão de prata.
Museum of Natural History, Nova York.

(...) Precisamente o mesmo se passaria com o modelo de um belo cavalo ou cão (de certa raça). — Esta ideia normal não é derivada de proporções tiradas da experiência como regras determinadas; mas é de acordo com ela que regras de julgamento se tornam pela primeira vez possíveis. Ela é para a espécie inteira a imagem flutuante entre todas as intuições singulares e de muitos modos diversos dos indivíduos e que a natureza colocou como protótipo das suas produções, mas parece não o ter conseguido inteiramente em nenhum indivíduo. (...)


Kant, Crítica da faculdade do Juízo, trad. Valério Rohden, Lisboa, INCM, 1998.

Agradece-se a Maria Filomena Molder, a sua chamada de atenção, nas lições sobre a analítica do belo na Crítica da Faculdade de Julgar, da tradução adequada dos termos: schwebendes bild, e, urbilde; para: imagem pairante, e, imagem original.

Epiphaneia
























Amarelo e Azul
(Amarelo e Azul em laranja)

Mark Rothko, 1955.
Óleo sobre tela, 259,4 x 169,6 cm.
Carnegie Museum of Art, Pitsburgo.

(...) O poder visionário parece não ter sido distribuido igualmente entre os homens; era mais abundante nos tempos antigos e têm-se firmemente tornado mais raro. (...)

Tradução nossa do Inglês
Carl Kerényi, Dionysos, Trad. Ralph Manheim, New Jersey, Bollingen, 1996.

08 junho 2007

Deveio
















Uma Súbita Rajada de Vento
(depois de Hokusai)

Jeff Wall, 1993.
Transparência em caixa de luz, 229 x 377 cm.
Tate Modern, Londres.

Em grandes épocas históricas altera-se, com a forma de existência colectiva da humanidade, o modo da sua percepção sensorial. O modo em que a percepção sensorial do homem se organiza — o medium em que ocorre — é condicionado não só naturalmente, como também historicamente. (...) as transformações que foram expressas nestas transformações da percepção. Actualmente, as condições para tal entendimento são mais favoráveis. E, se pudermos entender, como decadência da aura, as alterações do medium da percepção de que somos contemporâneos, também é possível mostrar as condições sociais dessa decadência.
(...)


Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica,
Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D'Água. 1992.

07 junho 2007

Aura








Adraga 2004

(...) A arte grega coincidiu com o advento da geometria e com o atletismo, a da Idade Média com o artesanato, a arte do Renascimento com o advento da mecânica, etc. Após 1914, deu-se uma completa ruptura. A própria comédia é quase impossível: só há lugar para a sátira (em que época foi mais fácil entender Juvenal)? A arte só poderá renascer no interior da grande anarquia — épica, sem dúvida, porque a infelicidade terá simplificado as coisas... É, assim, perfeitamente inútil da tua parte desejar Da Vinci ou Bach. A grandeza dos nossos dias deve seguir outras vias. Aliás, não pode ser senão solitária, obscura e em eco... (porém, não existe arte sem eco).

Simone Weil, A Gravidade e a Graça, Lisboa, Relógico D'Água, 2004.

05 junho 2007

Diz o nome do que te enche os olhos
























A Erva Grande
Albrecht Dürer, 1503.
Aguarela e guache sobre papel, 41 x 32 cm.
Graphisch Salmmlung Albertina, Viena.

(…)
O trinke Morgenlüfte,
Bis daß du offen bist,
Und nenne, was vor Augen dir ist,
Nicht länger darf Geheimnis mehr
Das Ungesprochene bleiben,
Nachdem es lange verhüllt ist;
Denn Streblichen geziemet die Scham,
Und so zu reden die meiste Zeit,
Ist weise auch von Göttern.
Wo aber überflüssiger, denn lautere Quellen
Das Gold und ernst geworden ist der Zorn an dem Himmel,
Muß zwischen Tag und Nacht
Einsmals ein Wahres ercheinen.
Dreifach umscheibe du es,
Doch ungesprochen auch, wie es da ist,
Unschulgige, muß es bleiben.
(…)


(…)
Oh, bebe da manhã as brisas,
Até ficares aberta,
E diz o nome do que te enche os olhos,
Por mais tempo não pode, o que não foi dito,
Ficar envolto em mistério,
Depois de tanto tempo de silêncio;
Pois o pudor é próprio dos mortais,
E falar assim, quase o tempo todo,
Também é sabedoria dos deuses.
Mas quando o ouro fluir, mais abundante
Do que as fontes puras e no Céu a ira se tornar mais severa,
É forçoso que, entre o dia e a noite,
Por fim venha a aparecer algo de verdadeiro.
Transcreve-o triplamente,
Deve porém manter-se inefável,
Inocente como é.
(…)


Germânia
Friedrich Hölderlin, Hinos Tardios, Lisboa, Assírio e Alvim, 2000.

Despertar



















Alentejo 2006

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.


Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Lisboa, Fundação Eugénio de Andrade, 2005.

Duma flor



















Alentejo 2006


Tenho o nome duma flor
quando me chamas.
Quando me tocas,
nem eu sei
se sou água, rapariga,
ou algum pomar que atravessei.


Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Lisboa, Fundação
Eugénio de Andrade, 2005.

04 junho 2007

A festa da terra
















Marrocos 2002


(...)
Não vos ensino o próximo mas o amigo. Que o amigo seja para vós a festa da terra e o pressentimento do sobre-humano.
Ensino-vos o amigo de coração a transbordar. Mas é preciso saber-se ser esponja, quando se quer ser amado por corações que transbordam.
(...)


Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Lisboa, Relógio D'Água, 1998.

Categorias

Condições de Reutilização

spintadesign

Free Blog Counter