Que o amigo seja para vós a festa da terra

13 maio 2009

Diz lá o que te consome...

Alguém pode esquecer o que é apaixonar-se?

Por um lado não, não é possível, todos sabemos o que é apaixonar-se, mas, por outro lado, será que sabemos mesmo o que isso significa?

A paixão é uma patologia, que neste caso está associada ao amor, e este por si mesmo pode considerar-se uma mania, como dizia o das costas largas. O amor é uma forma da loucura, da irracionalidade, já que supera todas as barreiras do pensamento racional e nos leva a defender ideias por si mesmas indefensáveis. O amor, digamos, é uma força de união do que não tem união possível e acaba com os dualismos pela existência deles mesmos. A paixão, por sua vez, embora associada ao amor, está muito distante dele, é uma patologia, um pathos, algo de que se padece, mas não é uma mania como se identifica o amor no antigo. Na paixão há uma submersão enquanto que no amor está presente uma união, ou supressão das partes. No pathos depende-se da outra parte e na mania não se distinguem partes. Mas isto, seja numa ou noutra destas duas formas da afecção atraente, não é algo que nos esteja acessível por uma descrição narrativa ou formulação racional. Só temos acesso a elas pela experiência cognoscível do momento vivido.

Apaixonar-se é algo que não está numa nem noutra, embora a palavra indique entrada na primeira, é de facto um início para estas duas afecções. Na paixão, ainda enquanto apaixonar-se, o amor está presente em potência, é uma possibilidade, mas o amor pode surgir sem qualquer explicação ou apaixonar-se. Por isto, é possível concluir que o apaixonar-se é uma forma de acesso ao amor que tende a levar para a paixão. Na paixão somos tomados pelo outro lado e as barreiras da linguagem são ultrapassadas sem serem sequer identificadas, isto é, agimos como se não houvessem barreiras. Mas, com cuidado e muita atenção, predisposição afectiva e disponibilidade emocional, é possível identificar essas barreiras e diluí-las o suficiente para não ter de ignorá-las. O amor é consciente destas barreiras e o apaixonar-se pode evoluir sem chegar a compadecer-se no prendimento à patologia do afecto pelo outro.

Sendo assim, podemos distinguir um apaixonar-se saudável e outro doente. Um deles, felizmente o primeiro, nunca é esquecido, não pode ser esquecido, mas pode ser arrumado e dispensado como que impossível por quem tenha sofrido tanto que não acredite mais nele, ou tenha medo de acreditar. Aí só resta trabalhar no sentido da renovação da crença no amor de forma completa e abrangente. Tarefa muito difícil para alguns mais sofridos. O outro, o apaixonar-se doente, para quem tenha tido a sorte de não sofrer tanto ou ter sido capaz do tal amor completo e abrangente, acaba por esfumar-se no esquecimento e passa a não ser mais que uma narrativa do passado. Isto tendo em conta que todos passam pelo menos uma vez na vida pela paixão sem conseguir fazer-se evoluir para o amor. É próprio da adolescência e faz parte dos processos que levam a desvelar o apaixonar-se saudável. Será escusado dizer em mais que uma linha como o sim precisa do não para existir.

Agora simplificando: não, ninguém se esquece do que é apaixonar-se, mas muitos optam por agir como se tivessem esquecido para evitar o sofrimento. Contudo, esses que fogem assim, no fundo, são os que fogem da vida, e acabam por não servir de exemplo.

Visto isto de outro ângulo, para todos, o apaixonar-se, seja ele qual for, é sempre outro e renovado a cada momento que passa. Por isso, lembrado ou esquecido, nunca deixa de ser, e se tiver sido esquecido é lembrado noutros termos, se tiver sido lembrado é novamente assimilado para fazer evoluir a sua concepção. Depois, resta juntar a subjectividade de cada um para complicar tanto o problema que não há mais resposta possível.

Mas, diz lá o que te consome...

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