Inteiramente um eco
(...) Parece-nos em geral, a nós que manejamos a língua de forma empírica, que toda a literatura antiga é algo de artificial e de retórico, incluindo a literatura romana. Isso explica-se em última instância pelo facto de que a prosa própria da antiguidade é inteiramente um eco do discurso oral e formou-se segundo as suas leis, enquanto que a nossa prosa se explica cada vez mais através da escrita, a nossa estilística dá-se a ver apenas através da leitura. Mas o leitor e o auditor pedem cada um uma forma de exposição (Darstellung) absolutamente diferente e por essa razão a literatura da antiguidade soa-nos como «retórica»: quer dizer que se dirige antes de mais ao ouvido para o seduzir. Extraordinário desenvolvimento do sentido rítmico entre os Gregos e os Romanos, para quem escutar a palavra é ocasião de um formidável e continuado exercício. Ocorre aqui algo de semelhante à poesia — conhecemos os poetas «literários», os Gregos conheciam uma poesia autêntica sem a mediação do livro. Nós somos muito mais descoloridos e abstractos. (...)
Nietzsche, Da Retórica, Lisboa, Vega, 1995.