Que o amigo seja para vós a festa da terra

28 maio 2007

Philos



















Fim d'ano 2004-2005

Mas será que se precisa mais de amigos nos momentos de felicidade ou nos momentos de infelicidade? Os Humanos procuram-nos em ambas as situações. Pois quando estão aflitos precisam de ajuda. Quando atravessam momentos felizes, contudo, precisam de amigos com quem partilhar a própria existência e a quem possam fazer bem. Na verdade, anseiam por fazer o bem. Ainda que seja mais necessário ter amigos nos momentos infelizes, razão pela qual são precisos amigos que nos possam ser de utilidade, é mais belo ter amigos nos momentos felizes, razão pela qual nesses momentos se procuram amigos que sejam excelentes. Escolher amigos excelentes a quem fazer bem e com quem se passar a vida é uma possibilidade mais autêntica. A simples presença dos amigos é doce tanto nos momentos felizes como nos momentos infelizes. Os que sofrem são aliviados pelos amigos com quem partilham a sua dor. Daí que também se possa levantar a questão se os amigos ajudam de algum modo como que a carregar o fardo a alguém ou então se a sua simples presença, por ser doce e compreensiva permite a partilha da dor e diminuem de facto o sofrimento. Se o alívio do sofrimento acontece por este motivo ou por algum outro qualquer, é uma questão que tem de ser deixada de lado. O que é facto é que o estado das coisas parece acontecer tal como foi descrito. A presença dos amigos parece, contudo, ter uma certa natureza mista. Ver simplesmente os amigos é doce, sobretudo quando se atravessa um momento infeliz, e parece ajudar a que não se fique deprimido (porque é próprio do amigo ser encorajador, quer pelo seu semblante, quer pela sua palavra, caso proceda com tacto. Ele conhece o carácter e a disposição do seu amigo, bem como tudo aquilo que lhe dá prazer e o faz sofrer). Por outro lado, dá pena perceber que um amigo sofre com as nossas infelicidades, porque toda a gente evita ser motivo de sofrimento para os seus amigos. É por esse motivo que os que têm uma natureza viril tomam precauções para que os amigos não fiquem a saber do seu próprio sofrimento, porque só alguém como uma natureza totalmente insensível à dor será capaz de suportar tornar-se na causa de sofrimento para alguém. Em geral não admitirá que ninguém se lamente consigo, porque ele próprio não é propenso a lamentar-se. Mas a natureza feminina e os homens efeminados gostam daqueles que com eles choram e, na verdade, gostam deles como amigos de verdade e partilham efectivamente da sua dor. Mas é evidente que, em todas as circunstâncias da vida, é quem tem uma natureza melhor quem deve ser imitado. Por outro lado, a presença dos amigos nos momentos felizes torna doces esses momentos passados com eles e permite-nos ter a consciência de que ficam felizes com as coisas boas que nos acontecem. Por esta razão parece que se deve chamar prontamente os amigos para partilharem connosco a nossa felicidade (é nobre fazer algo de bom), mas devemos hesitar em chamá-los para partilharem das nossas infelicidades. Pois devemos partilhar o mínimo possível de coisas más com os outros, daí que se diga «para infeliz já basto eu». Mas devemos sobretudo recorrer aos nossos amigos, quando, à custa de pouco trabalho, eles puderem dar-nos uma grande vantagem. Inversamente, contudo, será apropriado ir prontamente até junto dos que passam por momentos infelizes, mesmo sem ser-se chamado (é próprio do ser-se amigo o fazer bem a alguém e, sobretudo, aos que estão numa situação de necessidade, mesmo sem o terem pedido. É mais nobre e dá mais prazer para ambas as partes). A respeito dos que atravessam momentos felizes deve-se ir prontamente até junto deles enquanto se puder colaborar [na partilha desse bom momento] (também nestas circunstâncias há necessidade de amigos). Quando, contudo, em vista do mero benefício que se pode receber, devemos ir até eles mais lentamente, porque não é bonito estar sempre pronto para receber um benefício. Devemos evitar parecermos ser desagradáveis ao rejeitar [o convite para partilharmos das alegrias com os nossos amigos nos momentos felizes], o que acontece algumas vezes. Em todas as circunstâncias, portanto, deve escolher-se a presença dos nossos amigos.


Aristóteles, Ética a Nicómaco, trad. António Caeiro, Lisboa, Quetzal, 2004.

2 <:

Anónimo disse...

1 - "... dá pena perceber que um amigo sofre com as nossas infelicidades, porque toda a gente evita ser motivo de sofrimento para os seus amigos."

Por isso, de madrugada, procuram-se desconhecidos.

2 - "Mas a natureza feminina e os homens efeminados gostam daqueles que com eles choram e, na verdade, gostam deles como amigos de verdade e partilham efectivamente da sua dor."

Não gostamos de ver os nossos amigos chorarem por nós. Não choramos quando eles estão presentes. Pedimos mesmo - não chores, porque eu chorarei também e eu não quero chorar!

Por isso, de madrugada, procuram-se desconhecidos.

Tem realmente mais beleza partilhar os momentos felizes com os amigos de verdade. Mas nos momentos infelizes não precisamos chamá-los. Eles chegam com tudo para dar, sem nada pedir.

No silêncio da madrugada procuram-se desconhecidos!

Anónimo disse...

Por vezes choramos sem lágrimas, escondidas, e até chegamos a fazê-lo com risos. Os amigos choram connosco ao sorrir estes risos amargos por dentro. Mas o dito viril deixa tudo pela indiferença: não chora, não ri, não aconteceu, e ninguém sabe de nada como se ele não soubesse.

Há, sim, quem avance pela madrugada.

"Em todas as circunstâncias, portanto, deve escolher-se a presença dos nossos amigos."

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