Que o amigo seja para vós a festa da terra

21 maio 2007

Do lado de lá


















Wilhelmshaven
Gerhard Richter, 1969.
Óleo sobre tela, 50 x 70 cm.
Museu do Chiado entre 29 de
Abril e 27 de Junho em 2004.

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a um grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.
Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só vejo aquela luz,
Em relação à distância onde estou só há aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?
É só ele que continua a existir.


Alberto Caeiro, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2001.

1 <:

Anónimo disse...

é fantástico este final.

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