Que o amigo seja para vós a festa da terra

30 abril 2007

Do bem viver


















Sintra 2006


Conhecemos a nossa vontade sob a sua forma geral, e já não nos deixamos ir, pelo humor, ou pelo efeito de um impulso exterior, tomar num caso particular uma resolução que seja contrária ao que ela é no conjunto. Sabemos o género e a medida das nossas forças e das nossas fraquezas e assim evitamos muitas mágoas, visto que, para falar exactamente, não há outro prazer para além de fazer uso destas forças, e de se sentir agir; não há maior dor do que se encontrar com poucas forças no momento em que se tem necessidade delas. Mas uma vez tudo bem explorado, a nossa força e a nossa fraqueza bem conhecidas, podemos cultivar as nossas disposições naturais mais notáveis, empregá-las, procurar tirar delas todo o partido possível, e apenas nos aplicarmos aos empreendimentos em que elas podem ter lugar e servir-nos, e, quanto às outras, àquelas com que a natureza nos forneceu mediocremente, podemos dominarmo-nos o suficiente para lhes renunciarmos: e através disto evitamos procurar objectos que não nos convêm. É preciso ter chegado aí para manter sempre um perfeito sangue-frio, e para nunca se meter num mau caso, visto que então se sabe de antemão a que se pode aspirar. Um tal homem saboreará muitas vezes este prazer de se sentir forte. Raramente sentirá essa mágoa de se ver lembrado pelo sentimento da sua fraqueza; grande humilhação, talvez a principal fonte das mais amargas mágoas: quem não prefere ser taxado de falta de sorte do que de falta de habilidade? — Conhecendo bem o nosso interior, a sua força e a sua fraqueza, já não procuraremos exibir faculdades que não temos, pagar às pessoas com moeda falsa, espécie de jogo em que o batoteiro acaba sempre por perder. Em suma, visto que o homem é inteiramente apenas a forma visível da sua própria vontade, não há seguramente nada de mais absurdo que ir colocar-se a cabeça de um outro que não ele mesmo: para a vontade, isto é cair numa contradição flagrante consigo mesma. Se é vergonhoso vestir-se com a roupa doutro, é-o muito mais parodiar as qualidades e particularidades do outro: é confessar claramente a sua própria nulidade. Neste sentido, não há nada como sentir-se a si mesmo, aquilo de que se é capaz em todos os aspectos, e os limites em que se é mantido, para permanecer em paz consigo mesmo, tanto quanto é possível. Visto que isto tanto vale nas circunstâncias interiores como exteriores: não há fonte de consolação mais segura do que ver com uma perfeita evidência a necessidade inevitável do que acontece. O que nos causa mágoa, numa infelicidade, não é tanto a infelicidade como o pensamento de tal ou tal circunstância que, mudada, teria podido poupar-nos. (...)
Ora passa-se o mesmo com a necessidade interior como com as necessidades exteriores: nada reconcilia melhor com ela do que conhecê-la bem. Quem quer que se tenha dado bem conta das suas boas qualidades como dos seus recursos, como dos seus defeitos e das suas fraquezas, quem quer que acerca disto fixou o seu objectivo e decidiu não poder alcançar o resto, colocou-se assim ao abrigo do mais cruel dos males, tanto quanto a sua natureza pessoal o permite: o desgosto de si mesmo, consequência inevitável de todo o erro que se comete no juízo acerca da sua própria natureza, de toda a vaidade deslocada, da presunção, filha da vaidade. É permitido voltar ao sentido do dístico de Ovídio, para fazer dele uma excelente fórmula do austero preceito: «Conhece-te a ti mesmo»:

Optimus ille animi vindex, laedentia pectus
Vincula cui rupit, dedoluitque semel
*.

*«Isto é na verdade conquistarmo-nos a nós mesmos, quebrar as cadeias que nos martirizam o coração e acabar dum golpe com o remorso.»


Arthur Schopenhauer, O Mundo Como Representação e Vontade, trad. M. F. Sá Correia, Porto, Rés, (sem data).

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Anónimo disse...

Olá Sara. Gostei muito de te conhecer hoje.. uma conversa bastante agradável que me fez perceber o quão especial és. E finalmente estou a comentar um Blog!Ainda não tive tempo para ver muito bem mas já reparei que tens aqui uma musica de uma das minhas bandas preferidas, Sigur-rós, costumo dizer que é a musica dos Deuses!Passo cá mais vezes!Beijinhos da Ana!Continua com essa força de vontade e esse sorriso espetacular!Bela Foto Sintra é Lindo!

Anónimo disse...

Ana, também gostei muito de te conhecer. É preciso uma pessoa especial para reconhecer outra. E depois de tanto tempo afastada destas andanças foi muito bom encontrar uma presença como a tua. Foi de facto uma tarde muito bem passada. Obrigada!

P.S. És muito bem vinda ao Skapsis.

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