Topos de uma não-pessoa
Creatio Universi
Johann Jakob Scheuchzer, 1731.
Primeira ilustração da bíblia
ilustrada Physica Sacra.
"No princípio deus criou os céus e a Terra."
I. Os onze céus
II. Sistema Tychoneano
III. Sistema semi-Tychoneano
IV. O Sol e os seus sete filhos
V. Corpos celestes
VI. Esfera armilar
VII. Astrolábio
(…) Mas todas estas posições não constituem as figuras de um Eu primordial do qual derivaria o enunciado: pelo contrário, elas derivam do próprio enunciado e são, a esse título, os modos de uma ‘não-pessoa’ (…)
(…) O mesmo se dirá dos objectos e dos conceitos do enunciado. É suposto uma proposição ter um referente. Quer isto dizer que a referência ou a intencionalidade é uma constante intrínseca da proposição, enquanto que o estado de coisas que vem (ou não) preenchê-la é uma variável extrínseca. Mas não se passa o mesmo com o enunciado: este tem um ‘objecto discursivo’ que não consiste, de modo nenhum, num estado de coisas visado mas, pelo contrário, deriva do próprio enunciado. É um objecto derivado que se define, precisamente, no limite das linhas de variação do enunciado enquanto função primitiva. Assim, de nada serve distinguirem-se tipos de intencionalidade diferentes, de entre os quais uns possam ser preenchidos por estados de coisas e outros permaneçam vazios, sendo então fictícios ou imaginários de uma maneira geral (encontrei um unicórnio) ou mesmo absurdos de uma maneira geral (um círculo quadrado). (…) Finalmente, a mesma conclusão é válida para os conceitos: uma palavra tem sem dúvida um conceito como significado, quer dizer, como variável extrínseca à qual se reporta por virtude dos seus significantes (constante intrínseca). Mas, ainda aqui, o mesmo já não sucede com o enunciado. Este possui os seus conceitos, ou antes, os seus ‘esquemas’ discursivos próprios, no lugar de entrecruzamento dos sistemas heterogéneos pelos quais passa enquanto função primitiva (…)
(…) Se os enunciados se distinguem das palavras, das frases ou das proposições, é porque eles compreendem em si, como suas ‘derivadas’, as funções de sujeito, as funções de objecto e as funções de conceito. Mais precisamente, sujeito, objecto e conceito não são senão funções derivadas da primitiva, ou do enunciado. Tanto assim, que o espaço correlativo é a ordem discursiva dos lugares ou posições de sujeitos, objectos e conceitos numa família de enunciados. (…)
(…) Eis aquilo que um grupo de enunciados é e aquilo que é, já, um enunciado sozinho: Multiplicidade. (…) O essencial da noção é, no entanto, a constituição de um substantivo de modo a que ‘múltiplo’ deixe de ser um predicado oponível ao Um, ou atribuível a um sujeito referenciado como uno. A multiplicidade mantém-se totalmente indiferente aos problemas tradicionais do múltiplo e do uno, e sobretudo ao problema de um sujeito que a condicionaria, a pensaria, a faria derivar de uma origem, etc. Não há uno nem há múltiplo, o que, de todas as maneiras, seria remeter para uma consciência que se retomaria no uno e se desenvolveria no outro. Apenas há multiplicidades raras, com pontos singulares, com lugares vazios para aqueles que por instantes vêm aí funcionar como sujeitos, com regularidades cumuláveis, repetíveis e que se conservam em si. A multiplicidade não é axiomática nem é tipológica, ela é topológica. (…)
0 <:
Enviar um comentário