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A tentativa de se estabelecer uma definição do que é a arte, não é tarefa impossível, mas, sem querer parecer demasiado derrotista ou negativa, só posso considerá-la fútil. E, para quem pretende seguir com esse empreendimento (sem diminuir o valor dos tantos trabalhos já publicados) será necessário, antes de mais, perceber qual é o grupo sociocultural, assim como político e profissional, de quem frui. Quem analisa e qual é o objectivo de quem se lança para esta tarefa eventualmente interminável?
Mas o perfil de quem aprecia um objecto declarado arte e o objectivo de quem o declara, ou analisa a validade dessa declaração (muitas vezes a mesma pessoa, e o que a produz acaba por não ter voto real na matéria), não é o que de todo em todo revela fútil a tentativa desta definição. Para além do fruidor como elemento fundamental, de modo a que se perceba a efectividade de uma definição do que é arte, será também fundamental desvelar o paradigma que está por detrás, ou na base, do conhecimento — seja ele estésico, mnémico, empírico ou técnico, como poderia dizer Aristóteles na sua pirâmide invertida — daquilo que se pode considerar um objecto de arte e a sua compreensão enquanto tal. De que época se trata e qual é a mentalidade civilizacional que está a tratar?
Depois de saber quem e porque o faz, quando e a que referências recorre para compreender quais referências. Só podemos chegar à inevitável conclusão de que esta tarefa, que é muito válida enquanto tentativa, se mostra fútil pelo que tem de relativa, sem chegar de facto a algum predicado definitório. Isto poderia dizer-se de qualquer definição cujos elementos que mostro no início deste parágrafo não estejam suficientemente estabelecidos.
Com isto quero dizer que tanto a definição mimética, como a formalista, a expressionista ou a de indefinível, seja ela qual for, estão todas certíssimas, pelo simples facto de que cumprem o objectivo compreensivo a que se propõem em cada uma das épocas em que surgiram. Digo mais, todas essas definições, tomando o ponto de vista certo, estão ainda hoje válidas, e, de forma geral, se é que se arrogam a uma definição geral, estão e estarão sempre erradas. Como diz o próprio título da posta, não sei se com todo o propósito, trata-se de “O enigma da arte”. Sendo este enigma um dos mistérios — senão aquele mesmo — que mais se deve preservar. E como qualquer outro mistério, não é para ser conhecido se não se quer que perca a sua validade enquanto tal. O enigma está posto para se abrir, mas o mistério age como a sua forma última, o aporético. O enigma da arte é, em última circunstância, aporético. Não passa. Não que não se possa definir mas a sua abertura não se dá, ou vai-se dando, bolsa a bolsa, círculo a círculo, como o tempo numa comédia interminável.
E dizer o que é a arte hoje, ainda se torna mais ridículo, pois dizendo o que ela é hoje, está a falar-se do que ela já não é. Escusa-se uma tentativa de análise lógica por reductio ad absurdum. E aqui não posso concordar mais com o autor desta posta, quando diz que “Todos parecemos saber perfeitamente bem o que é a arte, mas mal tentamos explicar o que ela realmente é, enredamo-nos em contradições e implausibilidades.”. Está visivelmente recordado do que disse Santo Agostinho acerca do tempo. Pois, não é de todo errado comparar a compreensão que se tem do tempo com a que se tem da arte. Compreensão que evolui à medida que mais fundo nela se pensa, e se vão descobrindo os meandros das nossas possibilidades compreensivas.
Sendo assim, qualquer obra que se proponha dar uma definição de arte, embora possa ter imenso interesse e forneça riquíssima cultura geral, não cumpre outro objectivo que não o de um exercício de estilo numa análise tópica, ou mesmo epidérmica, tal como esta crítica que acaba de ser escrita.