Que o amigo seja para vós a festa da terra

03 junho 2009

Cair no sono
























Lisboa 2009


Estava a cair no sono, o tremor febril abrandava; de súbito pareceu-lhe sentir qualquer coisa, debaixo do cobertor, a correr-lhe pelo braço, pela perna. Estremeceu: «Raios, um rato? — pensou. — Foi porque deixei a vitela em cima da mesa...» Não lhe apetecia descobrir-se, levantar-se, apanhar frio, mas logo lhe voltou a roçar pela perna algo desagradável; arrancou o cobertor de cima dele e acendeu a vela. Tremendo de frio e febre, dobrou-se para examinar a cama — nada; sacudiu o cobertor, saltou de lá um rato para o lençol. Quis apanhá-lo: o rato não fugia da cama, só ziguezagueava para todos os lados, deslizava, esgueirava-se-lhe por entre os dedos e, subitamente, enfiou-se debaixo da almofada; atirou a almofada para o chão mas, no mesmo instante, sentiu que o rato já lhe entrara por debaixo da camisa, lhe corria pelo corpo, já passara para as costas... Estremeceu nervosamente e acordou. O quarto estava escuro, e ele na cama, agasalhado no cobertor como antes; por trás da janela uivava o vento. «Que merda!» — pensou aborrecido.

Fiódor Dostoiévski, Crime e Castigo, Lisboa, Presença, 2003.

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