Que o amigo seja para vós a festa da terra

28 agosto 2007

Sem palavras


Lieder ohne Worter de Mendelsshon por Jacqueline du Pré
acompanhada por Iris du Pré.

Free Hugs


Canpanha Free Hugs de Juan Mann. Abraços grátis.


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25 agosto 2007

O galope


Transcendental Etude no. 4 "Mazeppa" de Liszt por Boris Berezovsky.

24 agosto 2007

Esta viagem
















A Morte de Sócrates
Jacques-Louis David, 1787.
Óleo sobre tela, 129,5 x 196,2 cm.
The Metropolitan Museum of Art, Nova York.


(...) Já com o banho tomado, sentou-se junto de nós e pouco mais conversou. O servidor dos Onze veio entretanto e, chegando-se ao pé dele, eis que diz:

— Ao menos, Sócrates, não terei de censurar em ti o que censuro noutros, que se insurgem e me amaldiçoam quando, por imposição dos arcontes, lhes venho comunicar a ordem de beber o veneno… A ti, conheci-te bem durante este tempo: foste o homem mais generoso, mais aprazível e excelente de quantos por aqui passaram! Estou certo de que também agora não te insurgirás contra mim mas contra os verdadeiros culpados, que conheces bem! Agora… sabes o que vim anunciar-te. Adeus, e trata de aceitar da melhor forma a sorte inevitável.
E, chorando, voltou costas e afastou-se. Sócrates ficou ainda a olhá-lo:

— A ti também, adeus! Por minha parte farei como dizes — respondeu. E, voltando-se para nós, comentou: — Que amável, este homem! Durante todo este tempo não deixava de aqui vir, aqui ficava por vezes a conversar comigo. Excelente criatura e que generosas as suas lágrimas! Mas vamos, Críton, tratemos de obedecer-lhe; que me tragam o veneno, se já estiver preparado; se não, que o preparem.
E diz Críton: — Mas, salvo o erro, Sócrates, o Sol ainda está nas montanhas e não se pôs por enquanto! De resto, sei de outros que só o tomaram mesmo muito mais tarde e que, depois de a ordem lhes ser dada, ainda comeram e beberam a seu bel-prazer, alguns mesmo na companhia daqueles que mais desejavam. Vamos, não te apresses, que ainda há tempo.
Replicou-lhe ele: — É natural, Críton, que esses a quem te referes assim procedam: é que estão convencidos de que lucram com isso. Mas, por mim, é também natural que não proceda como eles, pois, estou convicto, nada lucraria em beber o veneno um pouco mais tarde, a não ser tornar-me ridículo aos meus próprios olhos, com esse apego a uma vida que já deu o que tinha a dar… Portanto — concluiu —, trata de obedecer-me e não procedas de outro modo.
Ouvindo isto, Críton fez sinal ao escravo que estava de pé. Este saiu e, decorrido ainda bastante tempo, voltou com o homem encarregado de lhe ministrar o veneno, que já vinha moído na taça. Ao vê-lo, Sócrates interpelou-o:

— Muito bem, meu caro: tu, que percebes destas coisas, diz lá: que é necessário fazer?

— Apenas — explicou — passear um pouco depois de beberes o veneno; quando sentires as pernas pesadas, deitas-te então, e o veneno actuará por si.
Ao mesmo tempo estendeu a taça a Sócrates. E com perfeito à-vontade, Equécrates, sem que a mão lhe vacilasse ou se alterasse a cor de rosto, pegou nela e, fixando no homem o seu habitual «olhar de touro», inquiriu:
— Que dizes, se me servir desta bebida para uma libação? É ou não lícito?
— Por nossa parte, Sócrates — respondeu —, preparamos a dose que achamos conveniente.
— Entendo — disse. — Mas, pelo menos, ser-me-á permitido, se é que não devo mesmo, dirigir uma prece aos deuses para que me tornem propícia esta viagem para o Além… Essa é pois a minha prece e oxalá assim seja!
E dizendo isto, segurando a taça com a mesma naturalidade e serenidade de espírito, despejou-a de um só trago. Nós, que de há algum tempo a essa parte ainda conseguíamos, mais ou menos, reter o pranto, quando o vimos beber até ao fim, não pudemos mais: a mim, pelo menos, as lágrimas corriam-me perdidamente, a ponto de esconder o rosto para chorar à vontade — não por ele, decerto, mas pela desgraça de ficar, eu, privado de um companheiro como este! Críton, ainda primeiro do que eu, incapaz de conter as lágrimas, levantou-se e saiu. Quanto a Apolodoro, que já antes não deixara de chorar, esse soltava rugidos tais, por entre lágrimas e lamentações, que, ao ouvi-lo, não havia ninguém a quem não se partisse o coração — exceptuando, naturalmente, o próprio Sócrates, que exclamou:

— Mas que é isto, meus caros?... Que estão a fazer? Eu, se mandei sair as mulheres, não foi por outro motivo — para que não perturbassem… Sempre ouvi dizer que se deve morrer em serenidade. Sosseguem e dominem-se!
Ouvindo isto, envergonhámo-nos e retivemos o pranto. Ele então deu uns passos em volta, até que disse sentir as pernas pesadas e se deitou de costas — tal como o homem prescrevera. Entretanto, o que lhe ministrara o veneno, palpando-lhe o corpo, observava-lhe de tempos a tempos os pés e as pernas. Em seguida, carregando com força num pé, perguntou-lhe se ainda sentia, ao que ele respondeu que não. Recomeçou depois pela parte inferior das pernas; e, assim subindo, nos fez ver que se tornava frio e hirto. Sem deixar de o palpar, observou-nos que, quando lhe atingisse o coração, seria o fim… E já praticamente toda a região do ventre estava gelada quando Sócrates, descobrindo o rosto — pois tinha-o, com efeito, coberto —, disse estas palavras, as últimas que proferiu:

— Críton, devemos um galo a Asclépio… Paguem-lhe, não se esqueçam!
(...)


Platão, Fédon, trad. Mª Teresa Schiappa de Azevedo, Coimbra, Minerva, 1998.

21 agosto 2007

Haverá mais
























Agosto 2007

Es wird noch ein Aug sein,
ein fremdes, neben
dem unsern: stumm
unter steinernem Lid.

Kommt, bohrt euren Stollen!

Es wird eine Wimper sein,
einwärts gekehrt im Gestein,
von Ungeweintem verstählt,
die feinste der Spindeln.

Vor euch tut sie das Werk,
als gäb es, weil Stein ist, noch Brüder.


Haverá mais um olho,
estranho, junto ao
nosso: mudo
sob a pálpebra de pedra.

Vinde, cavai as vossas galerias!

Haverá uma pestana,
virada para dentro, na rocha,
temperada com lágrimas não choradas,
o mais fino dos fusos.

À vossa frente faz ela o trabalho,
como se houvesse, porque há pedra, ainda irmãos.


Esperança
Paul Celan, Setes Rosas Mais Tarde, trad. Yvette K. Centeno, Lisboa, Cotovia, 2006.

18 agosto 2007

Nemesis?
























O Universo
Hildegard von Bingen, 1151.
Iluminura em manuscrito.
Liber
Scivias, Rupertsberg Codex.

(…) Then I saw a huge object, round and shadowy. Like an egg it was pointed on top...Its surrounding layer was bright fire. Beneath this lay a dark skin. In the bright fire hovered a reddish, sparkling fireball. (…)

Hildegard von Bingen, Liber Scivias, Rupertsberg Codex .
England, Dark Star Symbolism, 2006.

(…) Então vi um objecto enorme, redondo e ensombreado. Ponteagudo no topo como um ovo… Envolto numa camada de fogo brilhante. Em baixo desta camada estava uma pele escura. No fogo brilhante pairava uma avermelhada bola de fogo faiscante. (…)

15 agosto 2007

D'Ártemis




















Leo Delibes, Sylvia.
Coreografia de Frederik Ashton por Chistopher Newton
para a Metropolitan Opera House com Paloma Herrera
e o American Ballet Theatre, 2005.

Chi crederia che sotto umane forme
e sotto queste pastorali spoglie
fosse nascosto un Dio? (…)

Torquato Tasso, Aminta.
Italia, De Bibliotheca, 2005.

Quem acreditaria que sob a humana forma
e sob este pastoral despojo
estivesse oculto um deus? (…)



Fotografia de Gene Schiavone

13 agosto 2007

Uma asa nunca esquece

















Uma asa nunca esquece
agita-se
se lhe toca o vento.


Priscila Machado, 14 de Julho de 2005.

12 agosto 2007

Ombro a ombro




















Lisboa 2005

Du darfst mich getrost
mit Schnee bewirten:
sooft ich Schulter an Schulter
mit dem Maulbeerbaum schritt durch den Sommer,
schrie sein jüngstes
Blatt.

Podes confiante
acolher-me com neve:
sempre que eu ombro a ombro
com a amoreira atravessava o verão,
gritava a sua mais jovem
folha.

Paul Celan, Setes Rosas Mais Tarde, trad. Yvette K. Centeno, Lisboa, Cotovia, 2006

Mais altos
















Sintra 1996


O verde dos bambus mais altos é azul
ou então é o céu que pousa nos seus ramos.

Eugénio de Andrade, Antologia Breve, Lisboa, Fundação Eugénio de Andrade, 2005.

11 agosto 2007

Inteiramente um eco




















Vila Viçosa 2005

(...) Parece-nos em geral, a nós que manejamos a língua de forma empírica, que toda a literatura antiga é algo de artificial e de retórico, incluindo a literatura romana. Isso explica-se em última instância pelo facto de que a prosa própria da antiguidade é inteiramente um eco do discurso oral e formou-se segundo as suas leis, enquanto que a nossa prosa se explica cada vez mais através da escrita, a nossa estilística dá-se a ver apenas através da leitura. Mas o leitor e o auditor pedem cada um uma forma de exposição (Darstellung) absolutamente diferente e por essa razão a literatura da antiguidade soa-nos como «retórica»: quer dizer que se dirige antes de mais ao ouvido para o seduzir. Extraordinário desenvolvimento do sentido rítmico entre os Gregos e os Romanos, para quem escutar a palavra é ocasião de um formidável e continuado exercício. Ocorre aqui algo de semelhante à poesia — conhecemos os poetas «literários», os Gregos conheciam uma poesia autêntica sem a mediação do livro. Nós somos muito mais descoloridos e abstractos. (...)

Nietzsche, Da Retórica, Lisboa, Vega, 1995.

10 agosto 2007

Folha a folha

















Arrábida 2005

Der Stein.
Der Stein in der Luft, dem ich folgte.
Dein Aug, so blind wie der Stein.

Wir waren
Hände,
wir schöpften die Finsternis leer, wir fanden
das Wort, das den Sommer heraufkam:
Blume.

Blume — eins Blindenwort.
Dein Aug und mein Aug:
sie sorgen
für Wasser.

Wachstum.
Herzwand um Herzwand
blättert hinzu.

Ein Wort noch, wie dies, und die Hämmer
schwingen im Freien.

A pedra.
A pedra no ar, que segui.
O teu olhar, tão cego como a pedra.

Nós fomos
mãos,
esvaziámos a treva, encontrámos
a palavra, que subia do verão:
flor.

Flor — uma palavra de cegos.
Os teus olhos e os meus olhos:
vão em busca
de água.

Crescimento.
Folha a folha acrescenta
as paredes do coração.

Uma palavra ainda, como esta, e os martelos
rodopiam ao ar livre.


Flor
Paul Celan, Setes Rosas Mais Tarde, trad. Yvette K. Centeno, Lisboa, Cotovia, 2006.

02 agosto 2007

Em proveito de uma multiplicidade



















Cloud Gate
Anish Kapoor, 2004.
(fotografia de
James Morris).
Aço inox, 167,64 cm.
Millenium Park, Chicago.

(…) É sob a forma de graus intensivos, ou quantidades intensivas, que os espíritos mortos têm uma «subsistência», uma vez perdida a «existência» ou a extensão do corpo. É sob essa forma que eles são singularidades, uma vez perdida a identidade do eu. As intensidades compreendem em si o desigual, ou o diferente, cada uma é desde logo diferença em si, ainda que na manifestação de uma qualquer todas estejam implicadas. (…) Singularidades pré-individuais e pessoais, esplendor do Impessoal, singularidades móveis e comunicantes que penetram umas nas outras pelo meio de uma infinidade de graus, de uma infinidade de modificações. Mundo fascinante onde a identidade do eu se perdeu, não em benefício da identidade do Uno ou da identidade do Todo, mas em proveito de uma multiplicidade intensa e de um poder de metamorfose, em que se jogam, uns nos outros, relações de poder. É o estado daquilo que deve ser chamado complicatio, contra a simplificatio cristã. (…)


Gilles Deleuze, O Mistério de Ariana, Lisboa, Vega, 1996.

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