Que o amigo seja para vós a festa da terra

19 julho 2007

O que segura o lótus
























Avalokiteshvara
Tibete, Nepal ou Butão.
Tangka, pigmento sobre seda (kesi).

(…)

DL — (…) Os chefes religiosos, aqui e ali, proclamam alto e bom som que ocupam este terreno espiritual, que é seu apanágio. No seu entender, se alguém rejeita a religião, rejeita ao mesmo tempo toda a experiência espiritual.

JCC — O que é perfeitamente abusivo. Porque estaria a vida espiritual necessariamente ligada a qualquer crença sobrenatural? Poderíamos quase dizer o contrário, que a fé é o abandono do espírito.

DL — Realmente poder-se-ia dizer isso. Mas não procuro desviar ninguém da sua fé, se ela for praticada com tolerância. Veja-se, entretanto, aonde pode conduzir a confusão entre o religioso e o espiritual: imaginemos um homem que fala da noção de benevolência ou de perdão, ou ainda de compaixão, esta atitude, bem o sabe, é um dos fundamentos do budismo. Um outro homem, que não tem qualquer preocupação de ordem religiosa, escuta o primeiro e diz encolhendo os ombros: isso não passa de religião, não estou interessado.

JCC — Faz mal, naturalmente.

DL — É evidente! Caiu numa armadilha grosseira de vocabulário! As palavras «compaixão» ou «caridade» cegaram-no. Ora, trata-se de qualidades humanas, puramente humanas. Não tivemos necessidade de uma revelação divina para as adquirir ou descobrir. (…)

(…)

JCC — O Ocidente interrogou-se longamente sobre esta pretensa liberdade. Não somos comandados pelo meio em que nascemos, pelas crenças que nos envolvem, pela nossa infância, por todos os elementos mais ou menos claros que nos compõem?

DL — É evidente. Daí a dificuldade dessa tarefa. Mas posso dizer que num certo nível de reflexão, o homem teve sempre a escolha. Ele pode adquirir esta liberdade, libertar-se de tudo o que o bloqueia. E deve fazê-lo. Disse um dia que tanto quanto me parece, Deus se deixou dormir algures. Como deve perceber, estava a brincar, pois não levamos em conta a existência de um Deus criador. Mas se é verdade que Deus adormeceu, cabe-nos a nós acordá-lo.

(…)

JCC — Pode também sobreviver-se sem religião?

DL — Naturalmente. (…) Tudo parte de nós. De cada um de nós. As qualidades indispensáveis são a paz de espírito e a compaixão. Sem elas, nem vale a pena tentar. Essas qualidades não só são indispensáveis, como também inevitáveis. Como já lhe disse, encontramo-las em nós se nos dermos ao trabalho de as procurar. Podemos rejeitar toda a forma de religião, mas não podemos rejeitar fora de nós a compaixão e a paz de espírito.

(…)


Dalai Lama & Jean-Claude Carrière, A Força do Budismo, Lisboa, Difusão Cultural, 1995.

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