Que o amigo seja para vós a festa da terra

20 abril 2007

Gostos não se discutem?

O primeiro lugar-comum do gosto está contido na proposição com a qual cada pessoa sem gosto pensa precaver-se contra a censura: cada um tem o seu próprio gosto. Isto equivale a dizer que o princípio determinante deste juízo é simplesmente subjectivo (deleite ou dor) e que o juízo não tem nenhum direito ao necessário assentimento dos outros.
O segundo lugar-comum do gosto, que também é usado até por aqueles que concedem ao juízo de gosto o direito de expressar-se validamente por qualquer um, é: não se pode disputar sobre o gosto. O que equivale a dizer que o princípio determinante de um juízo de gosto na verdade pode ser também objectivo, mas que ele não se deixa conduzir a conceitos determinados; por conseguinte que nada pode ser decidido sobre o próprio juízo através de provas, conquanto se possa perfeitamente e com direito discutir a esse respeito. Pois discutir e disputar são na verdade idênticos no facto que procuram produzir a sua unanimidade através da oposição recíproca dos juízos, são porém diferentes no facto que o último espera produzir essa oposição segundo conceitos determinados, enquanto argumentos, por conseguinte admite conceitos objectivos como fundamentos do juízo. Onde isso porém não for considerado factível, aí tão pouco o disputar será ajuizado como factível.
Vê-se facilmente que entre esses dois lugares-comuns falta uma proposição, que na verdade não está proverbialmente em voga, mas todavia está contida no sentido de qualquer um, nomeadamente: pode discutir-se sobre o gosto (mas não disputar). Esta proposição contém porém o oposto da primeira. Pois sobre o que deva ser permitido discutir tem que haver esperança de chegar a acordo entre as partes; por conseguinte tem que se poder contar com fundamentos do juízo que não tenham validade simplesmente privada e portanto não sejam simplesmente subjectivos; ao que se contrapõe precisamente aquela proposição fundamental: cada um tem o seu próprio gosto.


Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, trad. Valério Rohden, Lisboa, INCM, 1998.

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