Que o amigo seja para vós a festa da terra

30 abril 2007

Mitose

Depois da interfase.

Profase, prometafase, metafase, anafase, telofase. Citocinese.

Tirésias















«Oh! Come è incredibili il sapere,
quando il sapere non serve propria nula a chi sa.»

«Oh! Como é incrível o saber,
quando o saber não serve de nada a quem sabe.»



Jiulian Beck como Tirésias no Édipo Rei de Pier Paolo Pasolini

Do bem viver


















Sintra 2006


Conhecemos a nossa vontade sob a sua forma geral, e já não nos deixamos ir, pelo humor, ou pelo efeito de um impulso exterior, tomar num caso particular uma resolução que seja contrária ao que ela é no conjunto. Sabemos o género e a medida das nossas forças e das nossas fraquezas e assim evitamos muitas mágoas, visto que, para falar exactamente, não há outro prazer para além de fazer uso destas forças, e de se sentir agir; não há maior dor do que se encontrar com poucas forças no momento em que se tem necessidade delas. Mas uma vez tudo bem explorado, a nossa força e a nossa fraqueza bem conhecidas, podemos cultivar as nossas disposições naturais mais notáveis, empregá-las, procurar tirar delas todo o partido possível, e apenas nos aplicarmos aos empreendimentos em que elas podem ter lugar e servir-nos, e, quanto às outras, àquelas com que a natureza nos forneceu mediocremente, podemos dominarmo-nos o suficiente para lhes renunciarmos: e através disto evitamos procurar objectos que não nos convêm. É preciso ter chegado aí para manter sempre um perfeito sangue-frio, e para nunca se meter num mau caso, visto que então se sabe de antemão a que se pode aspirar. Um tal homem saboreará muitas vezes este prazer de se sentir forte. Raramente sentirá essa mágoa de se ver lembrado pelo sentimento da sua fraqueza; grande humilhação, talvez a principal fonte das mais amargas mágoas: quem não prefere ser taxado de falta de sorte do que de falta de habilidade? — Conhecendo bem o nosso interior, a sua força e a sua fraqueza, já não procuraremos exibir faculdades que não temos, pagar às pessoas com moeda falsa, espécie de jogo em que o batoteiro acaba sempre por perder. Em suma, visto que o homem é inteiramente apenas a forma visível da sua própria vontade, não há seguramente nada de mais absurdo que ir colocar-se a cabeça de um outro que não ele mesmo: para a vontade, isto é cair numa contradição flagrante consigo mesma. Se é vergonhoso vestir-se com a roupa doutro, é-o muito mais parodiar as qualidades e particularidades do outro: é confessar claramente a sua própria nulidade. Neste sentido, não há nada como sentir-se a si mesmo, aquilo de que se é capaz em todos os aspectos, e os limites em que se é mantido, para permanecer em paz consigo mesmo, tanto quanto é possível. Visto que isto tanto vale nas circunstâncias interiores como exteriores: não há fonte de consolação mais segura do que ver com uma perfeita evidência a necessidade inevitável do que acontece. O que nos causa mágoa, numa infelicidade, não é tanto a infelicidade como o pensamento de tal ou tal circunstância que, mudada, teria podido poupar-nos. (...)
Ora passa-se o mesmo com a necessidade interior como com as necessidades exteriores: nada reconcilia melhor com ela do que conhecê-la bem. Quem quer que se tenha dado bem conta das suas boas qualidades como dos seus recursos, como dos seus defeitos e das suas fraquezas, quem quer que acerca disto fixou o seu objectivo e decidiu não poder alcançar o resto, colocou-se assim ao abrigo do mais cruel dos males, tanto quanto a sua natureza pessoal o permite: o desgosto de si mesmo, consequência inevitável de todo o erro que se comete no juízo acerca da sua própria natureza, de toda a vaidade deslocada, da presunção, filha da vaidade. É permitido voltar ao sentido do dístico de Ovídio, para fazer dele uma excelente fórmula do austero preceito: «Conhece-te a ti mesmo»:

Optimus ille animi vindex, laedentia pectus
Vincula cui rupit, dedoluitque semel
*.

*«Isto é na verdade conquistarmo-nos a nós mesmos, quebrar as cadeias que nos martirizam o coração e acabar dum golpe com o remorso.»


Arthur Schopenhauer, O Mundo Como Representação e Vontade, trad. M. F. Sá Correia, Porto, Rés, (sem data).

29 abril 2007

A partir da cabeça
























Figura de uma mulher mostrada em acção
Albrecht Dürer, 1528. Na série dos
Quatro Livros
Sobre a Proporção Humana.
Gravura, 22 x 16 cm.

27 abril 2007

Aster

26 abril 2007

Asteridea
























Asteridea
Ernst H.P. Haeckel, de 1899 a 1904.
Incluído na série Formas da Natureza.
Impressão litográfica de Adolf Giltsch.

Aquila
























Ue ue ue clamat no Grammateion

23 abril 2007

Hermeneias 9









Este diagrama contém pontos de vista sobre enunciados do passado para o futuro, enunciados futuros para o passado e enunciados do passado para o futuro que se tornaram necessários pela perspectiva posterior. O ponto que tem em vista o futuro não se livra nunca das alternativas possíveis à variação do que a sua proposição antecipa, este ponto de vista é sempre o da potência. Enquanto do passado para o futuro só se pode ter a vista, não se tem, ela é potencial no sentido em que não actualizada confere a si própria todas as possibilidades viáveis ao que pretende actualizar. Esta contingência da potência que ainda não se actualizou é, em parte, necessidade hipotética, pode ser uma hipótese imaginada, mas em absoluto é absolutamente contingente. Não há como garantir qual será a actualização. O futuro, inacessível acto ainda potente, virá a ser presente e como tal o acto que se previu ou uma das alternativas, deixando a potência extinta. Termina aí a liberdade do ser que se propunha. Agora, no ponto de vista que outrora foi futuro, o ponto de vista do presente que olha para aquele que antecipava, o que era então contingente, potente, passa a ser necessário, acede à actualidade. Uma vez em acto a primeira liberdade potente não está mais disponível e o passado, que fora livre, não é mais o passado que foi. O ponto de vista que observa o passado, que o tem em memória, já não o reconhece como ele é. Dizendo que o passado é extraímo-nos ficticiamente da relação temporal para adquirir a sua realidade, o que o futuro era para ser já lá estava inscrito e, sendo assim, o passado não só é actual no ponto de vista do futuro como o é do ponto de vista do passado que se tem como correctamente antecipador do futuro. O passado, como tem uma perspectiva disjuntiva sobre o futuro é tanto em potência como é em acto, mas esta actualização, para nós que ainda lá estivermos, só pode ser no âmbito da sua própria potência. No entanto, é a consciência madura deste em acto livre, uma segunda liberdade retro activada, que nos dá a via para as possibilidades ainda não realizadas e nos mantêm em tensão para aquilo que somos.


Estudo do capítulo nono do Peri Hermeneias de Aristóteles, 2007.

21 abril 2007

Electroclash


Fischerspooner, All We Are, 2005.

20 abril 2007

Aletheia

















Gibelina 2002


O que se encontra no outro
não é algo que se tenha perdido,
é antes o que se passa a ser.

10-1-2005

Hule
























Mesa das três primas 2003


Publicada na Bigornalouca

Gostos não se discutem?

O primeiro lugar-comum do gosto está contido na proposição com a qual cada pessoa sem gosto pensa precaver-se contra a censura: cada um tem o seu próprio gosto. Isto equivale a dizer que o princípio determinante deste juízo é simplesmente subjectivo (deleite ou dor) e que o juízo não tem nenhum direito ao necessário assentimento dos outros.
O segundo lugar-comum do gosto, que também é usado até por aqueles que concedem ao juízo de gosto o direito de expressar-se validamente por qualquer um, é: não se pode disputar sobre o gosto. O que equivale a dizer que o princípio determinante de um juízo de gosto na verdade pode ser também objectivo, mas que ele não se deixa conduzir a conceitos determinados; por conseguinte que nada pode ser decidido sobre o próprio juízo através de provas, conquanto se possa perfeitamente e com direito discutir a esse respeito. Pois discutir e disputar são na verdade idênticos no facto que procuram produzir a sua unanimidade através da oposição recíproca dos juízos, são porém diferentes no facto que o último espera produzir essa oposição segundo conceitos determinados, enquanto argumentos, por conseguinte admite conceitos objectivos como fundamentos do juízo. Onde isso porém não for considerado factível, aí tão pouco o disputar será ajuizado como factível.
Vê-se facilmente que entre esses dois lugares-comuns falta uma proposição, que na verdade não está proverbialmente em voga, mas todavia está contida no sentido de qualquer um, nomeadamente: pode discutir-se sobre o gosto (mas não disputar). Esta proposição contém porém o oposto da primeira. Pois sobre o que deva ser permitido discutir tem que haver esperança de chegar a acordo entre as partes; por conseguinte tem que se poder contar com fundamentos do juízo que não tenham validade simplesmente privada e portanto não sejam simplesmente subjectivos; ao que se contrapõe precisamente aquela proposição fundamental: cada um tem o seu próprio gosto.


Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, trad. Valério Rohden, Lisboa, INCM, 1998.

Do belo

Beleza é forma da conformidade a fins de um objecto, na medida em que ela é percebida nele sem representação de um fim.


Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, trad. Valério Rohden, Lisboa, INCM, 1998.

Conta mina
























Árvore
Sara Soares, 2006. Da série Árvore.
Tinta da china sobre papel, 21,5 x 33 cm.
Rita Marquito, Coimbra.

14 abril 2007

Bolero


Bolero de Ravel para um violoncelo eléctrico e oito mãos.

Impromptu


Impromptu op.51 de Chopin por György Cziffra

Impromptu


Impromptu op.90 nº4 de Shubert por György Cziffra

12 abril 2007

Falem com ela


Pina Bausch, Café Müller, 2002.
Wuppertal Tanztheater ao som do
The Fairy Queen de Henry Purcell.

Rema


Rodrigo Pederneiras, Bach, 1996.
Grupo Corpo ao som de Marco Antonio
inspirado em Bach.

05 abril 2007

Shoah

Demoníaco


É bem conhecida a obstinação com que uma recorrente tendência herética defende a exigência da salvação final de Satanás. O plano abre-se sobre o mundo de Walser quando até o último demónio do Gehinnom foi levado para o céu, quando o processo da história da salvação se concluiu sem resíduos.
É espantoso que os dois escritores que, no nosso século, observaram com mais lucidez o horror incomparável que os circundava — Kafka e Walser — nos apresentem um mundo onde o mal na sua suprema manifestação tradicional — o demoníaco — desapareceu. Nem Klamm, nem o Conde, nem os escrivães ou os juízes kafkianos, e ainda menos as criaturas de Walser, poderiam jamais figurar num catálogo demonológico. Se algo semelhante a um elemento demoníaco sobrevive no mundo destes dois autores, é mais sob a forma que Espinosa tinha talvez em mente, quando escrevia que o demónio é apenas a criatura mais frágil e mais afastada de Deus, e, como tal — isto é, na medida em que é essencialmente potência —, não apenas não pode fazer nenhum mal, como, pelo contrário, é aquela que tem mais necessidade da nossa ajuda e das nossas orações. O demónio é, em cada ser, a possibilidade de não ser que, silenciosamente, implora o nosso socorro (ou, se quisermos, o demónio não é mais do que a impotência divina ou a potência de não ser em Deus). O mal é apenas a nossa inadequada reacção face a este elemento demoníaco, o medo com que recuamos perante ele para exercer — fundando-nos nesta fuga — um qualquer poder de ser. Só neste sentido secundário a impotência ou a potência de não ser é a raiz do mal. Fugindo perante a nossa própria impotência, ou procurando servirmo-nos dela como de uma arma, construímos o maligno poder com o qual oprimimos aqueles que nos mostram a sua fragilidade; e faltando à nossa íntima possibilidade de não ser, renunciamos ao que só torna o nosso amor possível. A criação — ou a existência — não é, de facto, a luta vitoriosa de uma potência de ser contra uma potência de não ser; é, antes, a impotência de Deus perante a sua própria impotência, o seu poder de não não-ser, de deixar ser uma contingência. Ou: o nascimento em Deus do amor.
Por isso, não é tanto a inocência natural das criaturas que Kafka e Walser fazem valer contra a omnipotência divina, mas mais a inocência da tentação. Em ambos o demónio não é um tentador, mas um ser infinitamente susceptível de ser tentado. Eichmann, um homem absolutamente banal, que foi empurrado para o mal precisamente pelos poderes do direito e da lei, é a terrível confirmação com que o nosso tempo se vingou do seu diagnóstico.

Giorgio Agamben, A Comunidade que Vem, trad. António Guerreiro, Lisboa, Presença, 1993.



Hoje tive a sofrida oportunidade de encontrar, no tHe ULtiMaTe diSoRDer, o arrepiante documento que o M.I.T. deixou sair da sua investigação acerca dos custos humanos na guerra do Iraque.


[Título reeditado a 6 de Abril de 2007. Ver comentários.]

04 abril 2007

Helios



«Qual é, dentre os deuses do céu, aquele a quem atrubuis a responsabilidade deste facto, de a luz nos fazer ver da maneira mais perfeita que é possível, e que seja visto o que é visível?»

Platão, República, trad. Mª Helena da Richa Pereira, Lisboa, Gulbenkian, 1996.

03 abril 2007

Do bem viver















Postigo 2006


Durante o tempo em que nós não somos dominados pelas afecções que são contrárias à nossa natureza, durante esse mesmo tempo nós temos o poder de ordenar e encadear as afecções do nosso Corpo segundo a ordem relativa à inteligência.

(...) Portanto, o melhor que podemos fazer, enquanto não temos um conhecimento perfeito das nossas acções, é conceber uma correcta norma de viver, por outros termos, regras de vida precisas, e retê-las na memória e aplicá-las continuamente às coisas particulares que se apresentam frequentemente na vida, de maneira que a nossa imaginação seja profundamente afectada por elas e que elas nos estejam sempre presentes. Por exemplo, pusemos entre as normas da vida que o ódio deve ser vencido pelo amor, ou seja, pela generosidade e não ser pago com um ódio recíproco. Mas, para este preceito da Razão nos estar sempre presente ao espírito, quando for conveniente, devemos pensar e meditar frequentemente nas injúrias dos homens e de que maneira e por que via elas podem ser repelidas o melhor possível pela generosidade; assim, com efeito, nós juntaremos a imagem da injúria à imaginação desta regra, e estar-nos-á sempre presente ao espírito quando nos fizerem alguma injúria. Mas se nós tivermos também presente ao espírito o princípio da nossa verdadeira utilidade e ainda o do bem que resulta da mútua amizade e da sociedade comum e, além disso, que de uma norma de vida correcta provém o supremo contentamento da Alma e que os homens, como as outras coisas, agem por necessidade de natureza; então a injúria, ou seja, o ódio que dela costuma resultar, ocupará uma parte mínima da imaginação e será facilmente vencida; ou se a cólera, que costuma nascer das injustiças maiores, não é tão facilmente vencida, será, no entanto, vencida, embora não sem flutuação da Alma, num espaço de tempo muito menor do que se nós não tivéssemos assim premeditado estas coisas, como é evidente pelas proposições 61, 72 e 83 desta parte. Para nos desembaraçarmos do medo, devemos pensar da mesma maneira na força de alma; quer dizer, devemos enumerar e imaginar frequentemente os perigos ordinários da vida e a melhor maneira de os evitar superar pela presença de espírito e pela firmeza de alma. Mas deve notar-se que na ordem dos nossos pensamentos e imaginações devemos atender sempre àquilo que há de bom em cada coisa, a fim de sermos assim sempre determinados a agir pela afecção da alegria. (...)

1 Na medida em que a Alma conhece as coisas como necessárias, tem maior poder sobre as afecções, por outras palavras, sofre menos por parte delas.
2 As afecções que nascem da Razão ou são excitadas por ela, se se tem em consideração o tempo, são mais fortes que aquelas que se referem às coisas singulares, que nós contemplamos como ausentes.
3 Quanto maior é o número de causas simultâneas, pelas quais uma afecção é excitada, tanto maior ela é.

Proposição X, e excerto do seu escólio, da parte V
Bento de Espinosa, Ética, trad. António Simões, Lisboa, Relógio d'Água, 1992.

02 abril 2007

Mirar Azul















Rodrigo Pederneiras, Lecuona, 2005.
Grupo Corpo ao som dos Tus Ojos Azules
de Ernesto Lecuona.

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